terça-feira, 24 de agosto de 2010

O Primeiro Dia

No Brasil, como se sabe, o verdadeiro dia primeiro de janeiro é a quarta-feira de cinzas – à tarde. É o dia nacional do recomeço solene, quando milhões de pessoas em todo o país colocam a mão sobre uma agenda nova e juram dizer a verdade, fazer o bem e somente o bem, organizar suas estantes, procurar seus amigos, parar de fumar, beber menos (Ou, parar de beber), comer melhor, visitar a tia Cleoci e pelo menos se esforçar para entender a teoria quântica, já que a econômica é impossível. Enfim, começar uma nova vida. Da capo. Do zero. É o primeiro dia da volta ao paraíso antes da serpente original. Descontada a ressaca (de alguns), somos os Adãos e as Evas da segunda chance, prontos para reinaugurar o mundo. Isto se chama chão e isto parede, aquilo lá fora sol e isto na minha mão comprimido antiácido, ou será o contrário? Depende da nossa vontade e somente dela. O futuro é uma folha pautada esperando a primeira anotação do ano que tanto pode ser “Dentista” na sexta quanto “Deus, levar questionário” no sábado. Dia de contrição e onipotência. A virtude nos envolve como um halo e somos outros, somos decididamente outros, e certamente melhores. Uma sensação que geralmente perdura até a quinta, quando vamos ao banco ver o saldo da conta.

(Luís Fernando Veríssimo, grifos do leitor de primeira mão).

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