[...] a única coisa coisa de definitivo que se havia dito sobre a vaca estava em Jules Renard; depois de dar os nomes, características e costumes dos diversos bichos de sua chácara, diz ele: "Chama-se vaca, simplesmente. É o nome que lhe assenta melhor."
Em todo caso, aqui vai a minha contribuição para a vaca:
"Tão lenta e serena e bela majestosa vai passando a
[vaca
Que, se fora na manhã dos tempos, de rosa a
[coroaria
A vaca natural e simples como a primeira canção
A vaca, se cantasse,
Que cantaria?
Nada de óperas, que ela não é dessas, não!
Cantaria o gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Tão diferente do gosto dos arroios bebidos de madrugada,
Cantaria o cheiro dos trevos machucados.
O vôo decorativo dos quero-queros,
Ou quando muito,
A longa, misteriosa vibração dos alambrados...
Mas nada de superaviões, tratores, êmbolos
E outros troques mecânicos!"
Aliás, o que é que há contra a vaca? Como uma prova de sinceridade e falta de malícia dos poetas modernos, que se negam a reconhecer qualquer distinção convencional entre coisas "poéticas" e "não poéticas", eis aqui um poeminha que, por volta de 1930, nenhum jornal, nenhuma revista de Porto Alegre quis publicar e que agora insiro de contrabando no meio dessa prosa:
"Ora, Maria, o meu mundo é de
temperaturas,
tensões,
fulgurações.
Eu nada tenho a ver com os sentimentos humanos!
Por que tu não és uma vaca, Maria?
Por quê?
Ficaria tudo muito mais simples e verdadeiro..." [...]
Mario Quintana